domingo, 7 de março de 2010

Esta dor chamada saudade

Você tem alguma idéia do que seja esta coisa que dói aqui dentro chamada saudade? É uma dor intermitente, que nem um alfinete espetando por dentro, cada dia um pouquinho... Tem dias em que espeta mais, parece que fica furando a gente por dentro, fazendo um buraco difícil de ser preenchido depois. É bem estranho, porque ela vai chegando assim, sem pedir licença, vai tomando os espaços, se esparramando, como se a "casa fosse dela"... Talvez porque este espaço exista, porque definitivamente ninguém ocupa um espaço que não existe. É algo parecido com fome crônica, come-se algo e logo a sensação de vazio passa, mas, sem consistência, daqui a pouco lá vem ela outra vez, com jeito de quem veio pra ficar... É uma coisa bem ingrata, já que insiste em habitar este espaço aberto por ela mesma, esta saudade, sem pedir permissão, com ares de dona do pedaço. Já nem sei mais quem é dona de quem, se ela de mim ou se eu dela... Fico tentando administrar este processo, tentando entendê-lo racionalmente, tentando formar imagens figurativas de tudo, tentando sublimar o sentimento que fica lá dentro cutucando, cutucando, que nem alfinete, mas, em vão, a danadinha parece que quer é ficar por aqui me rondando, me possuindo, me consumindo, me picando. Esta tal de saudade não tem um nome próprio, ela traz um monte de nomes com ela, diversas passagens vividas, uma variedade de cores, de formas, de sensações, de sentimentos, uma infinidade de sons, ela não tem dono ou a dona dela sou eu, afinal? É aí que me flagro na minha impotência, mesmo tentando estar acima disto tudo, mas, cinqüenta anos de vida tão brasileiramente vivida, não se perde assim, em dias ou alguns anos, só porque assim ficou decidido internamente. Como uma entidade com vida e vontade próprias, ela se impõe, cobrando, picando, incomodando, o tempo todo a me fazer lembrar que aqui tudo é mesmo muito bonito, muito limpinho, muito em ordem, o progresso é presente a toda hora, mas, que felicidade de criança, alma leve e alegre, cores o ano todo, calor, sol, barulho, rua, gente, musicalidade, samba, negritude no sangue sem medo de ser feliz, misticimo e religiosidade misturando um pouco de tudo o que existe, sabedoria popular no conhecimento das coisas da natureza e da alma, exagero nas manifestações do sentir, sociabilidade solta e relaxada e muito mais, algo que não existe aqui no primeiro mundo, não dá para se tornar produto a ser exportado daqui. Não, esta é a nossa riqueza, a nossa doação para o mundo, o nosso produto legítimo de exportação – e tudo isso eu levo comigo aonde for, mesmo sem perceber, encapsulado, guardado dentro desta única palavra chamada "saudade". (Da série Relatos da América 43)

Lúcia M.