sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Paciência com o paciente!

(da série "Relatos da América")

Tenho tido a oportunidade de trabalhar com pessoas que ou são portadoras de males crônicos e sem cura, ou são muito idosas e mais próximas da morte do que eu, pelo menos aparentemente. Esta é uma experiência completamente nova para mim, e mais ainda, em um país com uma cultura tão diferente da nossa.
O que mais me chama a atenção é que aqui nos Estados Unidos a pesquisa, o desenvolvimento de instrumentos e de recursos técnicos na área da Saúde é dinâmico e intenso e não faltam recursos materiais para estas conquistas, possibilitando ao doente contar com muito mais recursos do que no Brasil em geral.
Existe porém um aspecto que me chama a atenção e que me parece profundo e digno de reflexão: o que se está oferecendo a estes pacientes é a perspectiva de cura ou apenas um prolongamento de “vida”?
A classe médica entende que se deve prolongar a vida do doente o máximo possível, e para isto, conta com convênios médico-hospitalares que cobrem em geral todas as despesas dos pacientes.
Por conseqüência, o doente crônico tem condições de sobreviver durante anos, décadas até, sob tratamentos paliativos à base de fortes medicamentos, que, na maioria das vezes, apenas abreviam o sofrimento enquanto mantém o doente aprisionado e refém de constantes alterações emocionais, além da evidente interferência no seu raciocínio lógico.
Isto é, o paciente que antes tinha um problema de saúde passa então, a ter muitos mais e entre outros, passa a ser dependente de mais medicamentos para “viver”.
Nesta função que exerço aqui na Flórida, de cuidar de senhoras idosas doentes, algumas das minhas clientinhas têm me proporcionado a oportunidade de observar que na maioria das vezes, estes paliativos acabam conduzindo-as a um inevitável isolamento social, já que não mais conseguem manter um mínimo de coordenação e coerência em seu comportamento.
Este ciclo cruel rompe a troca afetiva e social, além de desenvolver uma rotina diária baseada nos seus horários de sono, que são muitos, variados e pequenos ao longo do dia.
Além deste fato, tenho observado que o paciente nestas condições, e provavelmente em função deste isolamento social e do próprio sentimento de impotência misturado com um sentimento de fracasso, desenvolve uma relação espantosamente egocêntrica com o mundo ao seu redor.
Neste universo restrito, o jogo de culpa aliado ao remorso, sofrimento e dor física (real) ditam a tônica para os relacionamentos em geral, seja com parentes mais próximos ou até com aqueles que lhes dedicam cuidados e esforços movidos por um real desejo de lhes proporcionar algum bem-estar.
O mais surpreendente é constatar que o mesmo país que dispõe de tanto capital e recursos avançadíssimos para “prolongamento de vidas” não se dá conta de que o “pacote vida longa ” deveria vir acrescido de um acompanhamento específico de profissionais da área da Psicologia e Psiquiatria, o que não é comum aqui, porque os convênios médicos não contemplam este tipo de atendimento.
Felizmente, a diferença básica entre o atendimento médico daqui e do Brasil é que a maioria de nossos profissionais da área da Saúde se envolve de fato com o seu paciente e com a profissão que escolheram, o que já não é comum na maioria dos profissionais daqui.
Além disto, o Brasil não conta com tanto recurso econômico e financeiro como aqui e por esta razão, a eutanásia é um assunto completamente distante da nossa realidade, já que o sistema de Saúde não tem condições de arcar com os custos de manutenção de uma vida artificialmente mantida.
O que percebo é que além da capacidade insuperável de se prolongar uma "vida” por décadas, aqui o sistema não só assume as despesas como se aprimora tecnicamente cada vez mais para tal . Assim, se distancia cada vez mais da reflexão sobre a necessidade fundamental de acompanhamento psicológico e psiquiátrico para os doentes, de um “olhar” mais humano para questões humanas. O suporte psicológico e emocional é uma ferramenta indispensável para este estágio delicado de “sobrevida”, que, na verdade, vem a ser uma maneira completamente nova e diferente de viver, até então desconhecida pelo paciente.
Mas, a questão que páira sobre a minha cabeça é relacionada justamente à expressão “sobrevida”, uma vez que quem sobrevive não mais vive simplesmente, apenas enfrenta o desafio diário de aqui estar ainda presente de corpo, sendo que na maioria das vezes o cérebro se tornou um depósito desorganizado de informações fragmentadas e o coração abriga sentimentos controversos onde a baixa-estima, a dor, a mágoa, a culpa, a sensação de abandono são verdadeiros desafios com que passa a conviver o tempo todo, transformando a sua vida, a sua “sobrevida” numa total atormentação.
Assim, deixo uma semente de reflexão : até que ponto é válido esta atitude da Medicina, que, no fundo, não aceita a morte pelo simples fato de que aceitá-la significa atestar a sua limitação no processo da cura?
Parece que acima de tudo existe uma sensação de vazio em que a frustração acaba sendo a grande impulsionadora das pesquisas na área da Saúde, onde o profissional da Saúde é o agente que entende dos recursos, mas esquece de se aprofundar nos seus conhecimentos sobre a alma humana...

Lúcia M.

Um comentário:

  1. Ameiiii seu blog amiguinha...
    aproveite bem ai no Peru..ja estamos com saudades.
    bjusssssssssssss.

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