segunda-feira, 29 de junho de 2009

Despedida de Rainha

Ela pensa que é rainha e me considera como fazendo parte do seu reinado, reinado do nada, rei-nada...
Seus olhos de rainha não expressam ternura, não espelham dor, não refletem sua angústia, não projetam luz alguma, apenas olham, embora nem sempre enxerguem...
Suas mãos impecavelmente bem cuidadas, inertes e frias, como as mãos de uma estatua, não tocam instrumento algum, mais nada – não tocam, não trocam, não enlaçam e nem se entrelaçam.
Sua garganta se resseca e ela se engasga. Engasga com tantas palavras sufocadas (que sem vomitá-las aqui, levará consigo para o outro plano).
Sua boca guarda suas palavras, como aquela minha bolsinha de guardar moedas, silenciosamente.
Sua pele enruga, resseca, perde o brilho, assim também a sua alma.
Seu corpo agora é só peso, é só fardo, seus tempos de esplendor físico já se foram, ficaram no passado - que só pode ser apreciado através de fotos. Familiares que haviam partido há tempos andavam habitando seus sonhos durante a noite, sempre de braços abertos e um enorme sorriso nos lábios.
De dentro do baú de suas lembranças, tantas passagens, como mortos, aguardam o dia da autopsia.
Os céus dizem "amém, venha a nós..."
Seu corpo reafirma o apelo – suas mãos, suas pernas, seus pés, sua boca, sua pressão arterial – enquanto sua alma em pânico o ancora nesta Terra.
A insegurança, o medo, a incerteza de ter que passar a viver onde desconhece, numa terra que nem sequer consegue imaginar...
E se tudo aquilo em que acreditou a vida inteira for a pura verdade?
Que cenario a acolherá, o "céu" dos puros ou o inferno dos " pecadores"?
Perderá seu domínio e seu reinado de rainha?
Não, ainda não, seu apego lhe ordena a ficar mais por aqui.
Até um dia, em que fui testemunha destas cenas finais.
O desespero da dor se sobrepôs ao apego.
O apelo dos anjos celestiais finalmente foi atendido.
Neste dia, a rainha ao acordar, saudou o dia com estas palavras: "Bom dia, vida, adeus, passarei a reinar num mundo que desconheço, mas, estou disposta a viver mais esta grande aventura"...
Sem medo e sem apegos, fechou os olhos, orou e serenamente se deixou levar...

Lúcia M.

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