sábado, 3 de outubro de 2009

Detalhes Urbanos

(da Série "Relatos da América"
Bronxville, Julho 2001)

Hoje vou lhes contar a respeito do que vemos por aqui a esta época do ano.
O verão aqui, como todas as estações, é intenso, rápido e incisivo; em geral, seco, até que chove por meio dia e fica úmido demais por uns dois dias, fazendo com que nos sintamos o tempo todo meio molhados por dentro e por fora. Já não há mais flores por todo o canto, como no auge da primavera, devido ao calor intenso. Porém, é a coisa mais linda, as florzinhas do mato que salpicam aqui e ali no meio do verde: florzinhas lilazes, azuis, rosa, rosa-choque, lavandas com cores entre o azul e o lilás, branquinhas, jasmins perfumados exalando o seu perfume à noite, sob o orvalho, “damas da noite”...continua uma paisagem e um perfume embriagantes. E o mais interessante é que estas florzinhas pipocam por entre as gramas, nascendo espontaneamente...Ainda assim, em muitos lugares, como aqui em Bronxville, os canteiros continuam super floridos, e quinzenalmente são trocadas as flores destes, com um bom gosto e uma harmonia incríveis, parecendo uma festa.
Aqui, como o dinheiro público é realmente revertido para o público, em lugares onde o recolhimento é mais polpudo, como aqui em Bronxville e em toda esta região de Westchester, há verba para o que chamaríamos de supérfluo, como o cuidado com as flores em todo lugar em que haja um canteirinho para ser cultivado. Aqui pertinho há diversos deles, com variedades de florzinhas em tons de rosa, azul, lilás, que parece mais um sonho de infância, de tão bonito! Já em outros lugares aqui na região, há canteiros com florzinhas que vão do amarelo-ouro ao vermelho, passando pelo alaranjado, formando um conjunto alegre e tão colorido quanto o verão.
Privilégio nosso estarmos morando em um lugar assim tão especialmente bonito, o que agradecemos diariamente à vida e aos céus!
Ontem estávamos aqui em casa por volta das 19h30, quando escutamos o som de gaitas de fole escocesas vindo da rua. Saímos atrás daquele som maravilhoso e fomos apreciar o que se passava. Havia uma banda ensaiando para tocar em uma comemoração para um oficial da Polícia de N.Y. que estava se aposentando (numa festança aqui em um restaurante próximo). Lá fomos nós, que nem crianças atrás do circo, e tivemos a oportunidade de nos deleitar com um show ao vivo de gaitas de fole, com todos os homens vestidos com aquelas saias com um monte de apetrechos pendurados à cintura, calçados especiais, boinas com penachinhos verdes combinando com os detalhes da roupa... A noite estava muito clara e o céu era de um azul infinito, a temperatura era amena e aquele som pelo ar... ah!...nossa criança se encheu de alegria! Muito lindo!
Aqui nesta região do país, é costume bandas de gaitas de fole estilo Escócia, devido à forte influência inglesa, afinal, estamos na região de New England.
Nos desfiles do dia de Saint Patrick, que se realizam em Manhattan no dia 17 de Março (Saint Patrick é o santo católico, protetor da cidade de New York) acontece um grande desfile lá na “city” com milhões de bandas de gaita de fole com o pessoal todo paramentado com saias, penachos, boinas, etc. Nós não tivemos coragem de ir até Manhattan, porque a cidade esteve super lotada de gente por causa deste desfile e porque o povo bebe demais nesta ocasião, então, achamos mais prudente apreciar pela TV, embora não tenha o mesmo “sabor”.
Outra coisa muito interessante, que quero relatar para vocês: lá na “Grand Central”, que é a estação de trens principal de Manhattan, lindíssima (fundo para vários filmes famosos) há um espaço especial para exposições de arte. Outro dia nos deparamos com uma exposição “sui-generis”. Uns alunos de uma escola de artes em N.Y. descobriram que nos porões da escola haviam inúmeras máquinas de escrever empilhadas, aguardando um destino a ser dado para aqueles objetos completamente obsoletos e decidiram criar instalações de arte, dando-lhes uma função qualquer. Então, de forma muito harmônica, montaram nichos ambientando as máquinas de escrever, sugerindo diversas e divertidas utilidades para estas: porta-maquiagens, porta-revistas, escorredor de pratos, etc...artisticamente montada, muito lúdica e interessante, a exposição, patrocinada por grandes empresas, como tudo o que acontece por aqui.
Aqui o poder público tem o dom de conciliar a sua verba com o auxílio de empresas privadas, possibilitando inúmeros acontecimentos especialmente ligados à Arte, equilibrando as despesas e proporcionando ao público a possibilidade de usufruir de tudo sem colocar as mãos no bolso propriamente (ou, dispondo o mínimo possível de dinheiro para poder usufruir do “show”). Estas iniciativas casadas entre o poder público e o privado aqui, são fantásticas e acontecem aos montes, especialmente agora, no verão, porque no inverno, o pessoal quer mais é ficar enfiado dentro de lugares quentinhos e aconchegantes...
Aqui se depara com objetos de arte, esculturas, exposições de fotos, “shows” ao ar livre, a todo momento, transformando o verão em uma verdadeira festa – o que aliás, é mesmo!
Manhattan se transforma, entupida de turistas de todas as procedências, curtindo tudo a que têm direito. Guardadas as proporções, lembra muito São Paulo, que também oferece inúmeros espetáculos o tempo todo por precinhos bem camaradas. Só que aqui, como tudo é grandioso, quando algo acontece é sempre estruturado com o que existe de mais moderno combinado com o tradicional.
Atrás da Biblioteca de N.Y. existe um grande parque, com cadeirinhas e mesinhas ao ar livre (agora, no verão) e no horário de almoço, um “show” de música ao vivo acontece duas vezes por semana. O pessoal que trabalha por lá se senta nas cadeirinhas e enquanto “almoça” fica lá curtindo um sonzinho ao vivo – patrocinado sempre pela Prefeitura da cidade e por algumas empresas privadas – o sistema de som é o mais moderno possível, com equipamentos de última geração e se o espetáculo é de dança, há sempre um telão reproduzindo tudo com uma imagem impecável.
Enfim, este povo daqui realmente carece de cultivar o afeto, mas, em matéria de recursos e de capacidade de misturar a arte com a tecnologia, somos obrigados a lhes tirar o chapéu e nos curvarmos diante da sua capacidade...coisas de primeiro mundo!
E é nestas horas que a gente consegue entender direitinho a diferença para o título de “primeiro mundo”...então, a gente percebe que dependendo do sistema político e da vontade política de quem administra o dinheiro público, há ainda muita riqueza neste mundo para que a Humanidade possa realmente um dia ser mais feliz e ter suas necessidades básicas supridas com muita arte como cenário de fundo...

Lúcia M.

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