terça-feira, 8 de outubro de 2013

Meu tipo inesquecível

Quando era criança existia uma revista mensal chamada “Seleções Rea-
der´s Digest”, que trazia artigos leves, crônicas, receitas, dicas de saúde e alimentação, aquele tipo de leitura bom para ser degustado depois de um almoço no domingo preguiçoso  numa rede, apenas divagando sem pressa e sem compromisso, uma leitura realmente digestiva, como o nome diz.
A sessão da revista que eu mais gostava chamava-se “Meu tipo inesquecível” e trazia histórias de pessoas inesquecíveis que marcaram a vida de alguém por suas peculiaridades.
Pois, há algum tempo atrás tive a oportunidade de capturar este título através de uma pessoa que era mesmo muito especial.
Seu nome era Alfredo, um dínamo de energia e muito falante. Ex-comandante de navios da Marinha do Brasil.
Vaidoso, se cuidava muito e cultivava sua boa aparência, afinal, era bonitão e as mulheres se encantavam com seus belos olhos azuis, com o seu charme e com a sua disposição para viver, viajar, dançar, namorar e imagino que deva ter sido daqueles marinheiros que deixam uma apaixonada em cada porto.
Era um homem livre por excelência, detestava receber ordens de quem quer que fosse ou de sentir que alguém ousasse pensar em controlar a sua vida. Pelo contrário; o que ele gostava era de dar ordens e de se sentir no comando.
Com 93 anos de idade e uma disposição excepcional para viver, Alfredo encontrava-se debilitado devido a problemas circulatórios, o que o impedia de fazer tantas viagens quando gostaria e de participar de tantos eventos quanto estivera acostumado em toda sua vida.
Sabíamos que se encontrava em plena convalescença após um longo processo de idas e vindas em hospitais por conta dos problemas circulatórios   então, fomos visitá-lo para usufruirmos um pouquinho da sua agradável companhia.
Lá chegando, logo encontramos no saguão do prédio um dos seus filhos acompanhado da esposa, que nos saldou alegremente, dizendo que o pai estava ansioso aguardando por nossa chegada.
Chegando em sua casa fomos logo vê-lo e cumprimentá-lo em seu quarto. Encontramos o Alfredo deitado, coberto até o pescoço, com uma carinha comovente. Assim que nos viu, abriu um sorriso, jogando a coberta longe e ...surpresa...ele já se encontrava impecavelmente vestido e arrumado para sair para almoçar conosco, faltando apenas calçar os sapatos.
Com ar de maroto, nos confidenciou que o filho era muito exigente com ele e com os cuidados para com a sua saúde e pensava estar controlando todos os seus passos, especialmente, quando se tratava de sair em viagem ou de participar de algum encontro social, que era justamente o que ele mais gostava de fazer na vida...
Como o filho estivera lá até aquele momento e acabara de fazer mil e uma recomendações em torno deste assunto, impondo inúmeras restrições, e como ele nos aguardava ansiosamente e havia programado almoçar conosco no restaurante de sua preferência, achou mais conveniente se fingir de muito doentinho, deitado sob as cobertas, embora pronto para o passeio...
E lá fomos nós, felizes e ele mais ainda, a um delicioso almoço na sua agradável companhia.
Morremos de rir e ficamos ainda mais encantados com a vitalidade, disposição e presença de espírito do Alfredo.
Alguns meses depois deste episódio, Alfredo veio a falecer durante uma viagem de navio pela Alemanha na companhia da sua dedicada e amorosa filha, sua fiel acompanhante nos últimos anos da sua vida.
Apesar de seu estado debilitado, passou para o outro plano, provavelmente,  como havia sempre sonhado em segredo: viajando a bordo de um navio em boa companhia e portanto, feliz.
Grande figura, Alfredo...um “tipo inesquecível”, um estímulo á vida!
Que se encontre banhado de luz onde estiver neste momento.
Namastê

Lúcia M.

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário